quarta-feira, 31 de março de 2010

Receba em teus braços meu pecado de pensar (Clarice Lispector)





“Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra pra frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha.” (p. 26)

(Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres - Clarice Lispector)

Acho que devemos fazer coisa proibida – senão sufocamos.
Mas sem sentimento de culpa e sim como aviso de que somos livres.

Clarice Lispector

sexta-feira, 26 de março de 2010

Mini conto das frutas vermelhas



Era uma pessoa simples,de sorriso fácil,sagaz e audaciosa.
Nunca teve medo de ouvir um não e sempre disposta a ajudar quem necessita-se.
Acordava bem humorada e quando dava-se a gargalhar,seu corpo entrava num frenético
sacolejo que a fazia se contorcer toda.
Observava a natureza minuciosamente e ao dormir enroscava os pés
e em segundos se deixava adentrar o mundo dos sonhos.
A lua cheia sempre a carregava ao quintal de casa,onde dos seus braços
construíam-se longos abraços e dos seus beijos um infindável aconchego.
Já não sei bem qual a rua que foi atravessada ou por onde as botas marrons que ela tanto
queria pisam.Só sei que enquanto lavava os morangos, entre dedos e água corrente,seus olhos vidrados devovaram mentalmente a suculenta fruta vermelha.
Ela está por aí...agora está no seu lugar e por mais que o destino nem sempre ocorra
conforme o planejado pra toda uma vida,espero que ela esteja bem e que ainda continue
gostando de frutas vermelhas com leite condensado.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Depois da vírgula,ponto e parágrafo




Sujeito oculto não aparece na frase.
E por mais que a gramática seja eloquente e a
vida por vezes pareça um tanto quanto redundante,
decidi escutar as vozes que abarcavam-me.
Meus dogmas sucintos segredavam: "Fica, tenta mais uma vez"...
Reflexionei arduamente entre algumas xícaras de café e alguns tragos .
Vi que dessa vez é necessário vivenciar verdades inteiras,não dava tempo
de encaixar metades,era necessário sentir até o cerne.
Ver as oportunidades escorrendo entre dedos e alavancar espectros
nunca foi do meu feitio.
Ficar,aguça a desatravancar idiossincrasias,
por mais que cada escolha seja uma renúncia.
Procrastinar nunca foi viável.
Perdurar parcimoniosamente não nutriria.
Fenecer é ser impávido,contudo germinar é apropriadamente decoroso.
O tempo é ligeiro e arisco e em cada vertente acabo por
desbravar esquinas nunca antes avistadas .
Não há tempo para aparar arestas,nem tampouco sucumbir,
o alvo é nitidamente certeiro.
A mim verve consentir que o mundo esboce o destino
tal qual Jackson Pollock , esfuziante,genial e intrépido tal qual foi
e sempre será.


sexta-feira, 5 de março de 2010

Reticências,no final...


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,

Diferentes em tudo da esperança;

Do mal ficam as mágoas na lembrança,

E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,

Que já foi coberto de neve fria,

E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,

Outra mudança faz de mor espanto:

Que não se muda já como soía.

Luís de Camões



quarta-feira, 3 de março de 2010

A vida é frágil
e a saudade maior ainda
São tantas lembrança...
é a vontade de um abraço que
eu não posso dar.
É querer dormir pra poder
te encontra em sonho.
é uma mistura de querer
e não poder .
Nostalgia...
mas logo passa,você me ensinou a ser
forte e a como encarar a vida.
Que Deus continue te abençoando
onde quer que você esteja.

Eu te amo incondicionalmente,
um dia a gente se encontra,
por aí...

terça-feira, 2 de março de 2010

E tudo mudou


O rouge virou blush
O pó-de-arroz virou pó-compacto
O brilho virou gloss
O rímel virou máscara incolor
A Lycra virou stretch
Anabela virou plataforma
O corpete virou porta-seios
Que virou sutiã
Que virou lib
Que virou silicone
A peruca virou aplique, interlace, megahair, alongamento
A escova virou chapinha
"Problemas de moça" viraram TPM
Confete virou MM
A crise de nervos virou estresse
A chita virou viscose.
A purpurina virou gliter
A brilhantina virou mousse
Os halteres viraram bomba
A ergométrica virou spinning
A tanga virou fio dental
E o fio dental virou anti-séptico bucal
Ninguém mais vê...
Ping-Pong virou Babaloo
O a-la-carte virou self-service
A tristeza, depressão
O esparguete virou Miojo pronto
A paquera virou pegação
A gafieira virou dança de salão
O que era praça virou shopping
A areia virou ringue
A caneta virou teclado
O long play virou CD
A fita de vídeo é DVD
O CD já é MP3
É um filho onde éramos seis
O álbum de fotos agora é mostrado por email
O namoro agora é virtual
A cantada virou torpedo
E do "não" não se tem medo
O break virou street
O samba, pagode
O carnaval de rua virou Sapucaí
O folclore brasileiro, halloween
O piano agora é teclado, também
O forró de sanfona ficou electrónico
Fortificante não é mais Biotónico
Bicicleta virou Bis
Polícia e ladrão virou counter strike
Folhetins são novelas de TV
Fauna e flora a desaparecer
Lobato virou Paulo Coelho
Caetano virou um chato
Chico sumiu da FM e TV
Baby se converteu
RPM desapareceu
Elis ressuscitou em Maria Rita?
Gal virou Fénix
Raul e Renato, Cássia e Cazuza,
Lennon e Elvis,
Todos anjos
Agora só tocam lira...
A AIDS virou gripe
A bala antes encontrada agora é perdida
A violência está coisa maldita!
A maconha é calmante
O professor é agora o facilitador
As lições já não importam mais
A guerra superou a paz
E a sociedade ficou incapaz...
De tudo.
Inclusive de notar essas diferenças.

(Luís Fernando Veríssimo)

P.S.: é preciso dizer mais alguma coisa ?!...Acho que não!